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Artigos - 22/06/2020

Venture capital em gotas: O que são Rodadas de Investimento?

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Imagine que uma empresa precisa de uma determinada quantia em dinheiro para seu desenvolvimento e, em vez de contrair empréstimos com instituições financeiras, busca investidores dispostos a receber participações na empresa (equity). Cada oportunidade aberta pela empresa para o aporte desses investimentos, por um ou mais investidores, é chamada de “rodada de investimentos”.

É muito comum no meio de venture capital ou mesmo nos ecossistemas de startups ouvir que a Empresa X, que quase ninguém conhece para além dos empreendedores e seus familiares, recebeu um “investimento anjo” (que algumas vezes é feito pelo grupo FFF – family, friends and fools), ou que a Empresa Y, já bem conhecida no mercado, recebeu sua “series B”.

Não existem regras rígidas e tanto valores como suas condições variam bastante em cada operação, mas abaixo trago alguns parâmetros característicos das principais rodadas de investimento experimentadas por startups:

Investimento-anjo (pre-seed round) – é a primeira rodada de captação de recursos da empresa, com valores baixos, que podem girar de US$ 50 mil a US$ 200 mil. O investidor não ganha quotas imediatamente, mas o direito de participar nos lucros ou a possibilidade de um dia se tornar sócio, caso queira. Sua formalização ocorre por instrumentos simples, comumente por contrato de mútuo conversível em participação ou contrato de participação de investimento-anjo.

Investimento semente (seed round) – com valores maiores que os do anjo, pode variar de US$ 250 mil a US$ 750 mil. Não necessariamente é precedida por outra rodada de investimentos e, quando feita com valores de cerca de US$ 1 milhão, pode utilizar inclusive dos mesmos instrumentos do investimento-anjo, às vezes sem necessidade de realizar due diligences contábil e legal, a depender do seu estágio de operação.

Contudo, não é incomum que, por volta de US$ 900 mil em diante, investidores nacionais exijam a due diligence e já aportem diretamente capital em equity, com o recebimento de ações e a celebração de Acordos de Acionistas. Quando realizada por investidores estrangeiros, essa rodada pode ser formalizada por instrumentos conversíveis em ações como convertible notes ou SAFE (Simple Agreement for Future Equity), o que geralmente demanda a constituição de entidade para recebimento de capital no exterior.

Series A – é uma rodada realizada quando a empresa normalmente já se encontra mais madura, em valores que giram de US$ 1 milhão a US$ 6 milhões. Ela envolve a realização de due diligence financeira, contábil e legal, que traçará um diagnóstico entregue pelos assessores externos aos investidores e às vezes não disponibilizado para a investida.

Além disso, diversos mecanismos de governança para a empresa e restrições para os fundadores estarão dispostos e precisarão ser negociados no Acordo de Investimento e no Acordo de Acionistas, o que demanda extrema atenção da empresa e dos seus assessores legais especializados em M&A. Com o apoio destes, o conhecimento dos fundadores a respeito das regras e dos parâmetros normalmente negociados será decisivo para o sucesso da transação e futuro da empresa.

Series B  – subsequente à Series A, normalmente este round comporta valores superiores a cerca de US$ 6 milhões. Para além da due diligence e da negociação atenta de todas as condições da operação, encontrados nos documentos da Series A, é normal a existência de investidores estrangeiros na Series B, que não raras vezes obrigam que a empresa realize a mudança da sua estrutura de captação de recursos (flip) e constitua pelo menos uma entidade fora do Brasil (empresa off-shore), como em Delaware (Estados Unidos), B.V.I. (Ilhas Virgens Britânicas) ou Holanda, responsáveis por receber e enviar o capital ao país. O que pode parecer complexo, na realidade, é muito mais simples e seguro do que um estrangeiro abrir um veículo de investimentos no Brasil.

Apesar da utilização de off-shore e das jurisdições envolvidas (Cayman Islands muitas vezes é uma opção adequada), o que pode causar estranheza e mesmo preconceito para quem não está familiarizado, são operações legais e utilizadas no mercado de venture capital em todo o mundo. Essa estrutura obviamente cria um nível de governança e custo de transação a mais para a empresa investida, mas dificilmente uma startup passa para uma Series B com investimento estrangeiro sem passar por esse rito do flip.

Além dos assessores jurídicos brasileiros com experiência em transações de M&A cross-border, que normalmente estarão, junto aos fundadores, à frente de todo o processo de negociação das estruturas e condições retratadas nos documentos, a empresa possivelmente precisará que estes contem com o suporte de assessores legais da respectiva jurisdição onde se encontre a entidade criada para a captação de recursos.

Series C, D, E, F… – são rodadas subsequentes à Series B, cujos valores e condições variam bastante. É possível inclusive haver uma rodada posterior (ex. Series D) com valor de aporte inferior à anterior (Series C, nesse exemplo). Nesse estágio, a empresa e suas operações já são conhecidas em seu mercado e pelos principais players de venture capital, no Brasil e no exterior, e provavelmente já teve o seu perfil publicado em sites como o Crunchbase. Em todo o caso, os interesses e valores envolvidos são altos. Como no round anterior, é comum haver investidores estrangeiros envolvidos.

Nubank, por exemplo, realizou sua Series F em 2019, com levantamento de US$ 400 milhões aportados pelos investidores.

IPO (Initial Public Offering) e Direct Listing – são formas utilizadas por grandes empresas para colocação das suas ações e outros títulos para venda em bolsa de valores, em um nível muito alto de recursos. As características variam de país a país, mas, em termos gerais, o IPO (Oferta Pública Inicial, em português) é a captação pública de recursos em bolsa de valores com a utilização de um intermediário (o underwriter), normalmente um banco de investimentos, que realiza road shows (apresentações a investidores) e prepara toda a documentação necessária para o lançamento das ações de emissão da empresa que serão negociadas em bolsa para aquisição primária (emissão de novas ações, com captação de recursos para a empresa) ou secundária (ações existentes vendidas por seus proprietários, com recursos para estes) pelos investidores.

Direct Listing, por sua vez, é a venda desses títulos em bolsa de valores, sem a utilização do underwriter, na busca de reduzir os custos para a empresa, retirar a necessidade de lock-up (período normalmente de 180 dias pós-IPO em que insiders não poderiam vender suas ações) e captar mais valor para seus acionistas, mas sem trazer novos recursos para a empresa. Para tanto, é preciso que a empresa seja extremamente conhecida, goze de boa reputação e tenha um time profissional experiente na matéria, além de advisors financeiros e legais tarimbados. Empresas como Spotify e Slack utilizaram-se desse mecanismo em vez do IPO em 2018 e 2019, respectivamente. O Harvard Law School Forum on Corporate Governance tem um material curto e muito interessante sobre o Direct Listing do Spotify, que você pode ler aqui.

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