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Artigos - 06/05/2020

Transformação Digital: a opção que virou necessidade

A transformação digital expande ou transforma um modelo de negócio tradicional em outro potencializado pelo uso da tecnologia ou de plataformas digitais. Essa realidade não é outra em tempos do novo coronavírus, em que as ruas e praças estão desertas e as residências cheias. A grande variável desse novo cenário, na verdade, é a necessidade imediata de adaptação. Muitos empresários se veem na urgência de expandir ou transformar o seu modelo de negócio para o digital pelo simples fato de não conseguirem mantê-lo girando caso não o façam.

Independentemente do cenário, o desafio da transformação digital traz a necessidade de observar vários cuidados na esfera jurídica capazes de surpreender os empreendedores e executivos mais experientes em seus respectivos ramos. Além disso, a provável entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no primeiro semestre de 2021 (em data exata que dependerá da conversão em lei da MP nº 959/2020, além de outros projetos de lei que tramitam) exigirá a adoção nas rotinas empresariais de atenção dobrada e de cumprimento às obrigações referentes ao tratamento dos dados pessoais que são coletados, seja no antigo modelo de negócio ou no novo que se pretende implantar.

Cenário, repercussões e necessidade

Se antes já era perceptível que pequenos e grandes negócios têm de se adequar à nova era digital, essa realidade agora salta aos olhos daqueles que dedicam atenção e observam com mais detalhes o que temos enfrentado.

A verdade é que, na história moderna, nunca vivemos algo tão impactante na economia e nas relações sociais como o cenário atual de pandemia, e muitas vezes a tomada da decisão de expandir ou transformar um modelo de negócio é feita às pressas, na ânsia de conseguir, da forma mais rápida possível, uma nova maneira de monetizar – e, em muitas ocasiões, salvar – o seu negócio. Essa transformação, no cenário de distanciamento social e recessão econômica que vivemos, não é mais uma opção: a necessidade se torna o principal motor para uma transformação digital.

Isso tudo é feito, muitas vezes, com a idealização e montagem, em curtíssimo espaço de tempo, de um modelo de negócio diferente do antigo, com um grande potencial inovador e de mercado, sem, no entanto, elaborar uma estrutura de governança robusta o bastante para mitigar os riscos jurídicos existentes nesse tipo de mudança estrutural e operacional, o que ocorre não por incapacidade ou desinteresse do empreendedor, mas principalmente porque a necessidade de adaptação exige que tudo aconteça muito rapidamente.

É justamente nessas horas que os cuidados jurídicos mais essenciais para garantir a sustentabilidade do novo modelo de negócio são deixados de lado por ocasião da pressa e do difícil momento em que nos encontramos.

Casos práticos de transformação digital

E não se engane: não são apenas os pequenos negócios que vêm buscando alternativas digitais para o momento que enfrentamos. Grandes empresas como Magazine Luiza e Americanas vêm buscando meios de alinhar os seus interesses comerciais aos dos negócios locais, mediante a elaboração de estratégias de parceria comercial para disponibilizar vendas nos seus websites.

A Magazine Luiza, recentemente, lançou a campanha “Parceiro Magalu”, com o intuito de firmar parcerias com comércios locais para venda de seus produtos na plataforma do Magalu, enquanto a Americanas, por sua vez, criou a plataforma “Apoie o Comércio Local“, em que ajuda o consumidor a identificar negócios locais para adquirir produtos e serviços prioritariamente com eles.

Por outro lado, não são todos que conseguem se adaptar de forma sustentável. Medidas de preservação da segurança da informação e da privacidade de usuários, por exemplo, são de extrema importância para assegurar que os dados fornecidos pelos clientes na nova operação serão armazenados de forma adequada e sem o acesso indevido de terceiros.

Esses aspectos, contudo, não têm sido devidamente considerados por várias das ferramentas digitais que ganharam protagonismo nas últimas semanas. Nesse ponto, recentemente, a ferramenta de videoconferência Zoom, após ter ampliado o seu número de usuários de 10 para 200 milhões em razão do novo coronavírus, teve várias denúncias publicadas contra si pelo Washington Post e pelo New York Times. Essas matérias apontam gravíssimas falhas no sistema de segurança da informação do aplicativo, o que permitia o acesso não autorizado de terceiros aos vídeos gerados pelas conferências.

Considerações, cuidados e recomendações

No processo de tornar-se digital, o passo mais desafiador a ser tomado por empreendedores será mudar a cultura da empresa no seu sentido mais amplo, para adaptar a rotina empresarial à nova realidade digital. Isso porque não apenas a gestão e os colaboradores terão de adaptar as suas rotinas ao novo modelo de negócio. Muito além disso, a empresa terá de adotar uma nova postura frente ao mercado, identificar e posicionar-se em relação aos novos concorrentes, buscar parcerias com fornecedores que suportem a nova estrutura e identificar meios efetivos de disseminação e consolidação da operação nessa nova realidade, no intuito de enraizar boas impressões nos novos leads e, por fim, transformá-los em clientes.

É preciso ter em mente também que não é porque a empresa atendia à legislação no modelo de negócio offline que permanecerá a atendendo na nova operação, principalmente pelo fato de as obrigações legais aplicáveis ao antes e ao depois frequentemente não serem as mesmas.

Para separar e mitigar os riscos envolvidos no modelo de negócio antigo e naquele novo que se pretende explorar, uma alternativa é a criação de uma pessoa jurídica própria para explorar o modelo de negócios digital. E isso pode ser feito de forma simples e relativamente rápida, mesmo durante a pandemia. Ao contrário do que muitos pensam, a constituição e alteração de empresas perante as Juntas Comerciais competentes nos seus estados não está paralisada. Em Pernambuco e São Paulo, por exemplo, a constituição de sociedades empresárias limitadas pode ser feita na modalidade eletrônica, sendo necessário apenas possuir um certificado digital emitido pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil.

A moral da história

O cenário em que vivemos tornou a transformação digital uma necessidade imediata para a sobrevivência de diversos negócios, mas os cuidados que devem ser tomados, como a obrigação de serem observadas as restrições dos mercados regulados (e pela dificuldade em atendê-las) ou as implicações de expandir ou migrar para o meio digital para que a empresa sobreviva à realidade que enfrentamos, ainda devem existir. O melhor remédio continua sendo um preparo adequado (ainda que em tempo reduzido) do novo modelo de negócio, com medidas de mitigação de riscos e passivos jurídicos que possam surgir com essa mudança no modelo de negócio empresarial.

A inteligência é a capacidade de se adaptar à mudança, como bem dito por Stephen Hawking em seu discurso de graduação na Universidade de Oxford. Não há ninguém que não tenha sido afetado por essa crise, que começou sendo de saúde pública, mas que já deixa seus reflexos sociais, econômicos e políticos em todo o mundo. Enquanto há vários negócios que estão na iminência de quebrar, os que melhor se adaptam têm a oportunidade de crescer e de ganhar espaço no mercado em que atuam, ainda que o cenário da economia seja preocupante.

É claro que, quando a realidade dos negócios voltar à normalidade, esses novos modelos terão de ser revisitados e reestudados para verificar a sua viabilidade de permanência em um cenário longe do novo coronavírus. Passada a pandemia, será preciso usar novamente a inteligência para adaptar-se ao mercado pós-coronavírus, que certamente não voltará a ser como antes.

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